Um colega que muito estimo enviou-me um e-mail, há cerca de um mês e meio, que começava assim: 

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«Milan Kundera escreveu algo semelhante a: "procuramos sempre a exigência da responsabilidade, quando o que desejamos é a leveza da liberdade"»

Envergonhadamente, confesso que nunca tinha lido nenhuma obra de Milan Kundera (situação que, entretanto, corrigi). No entanto, esta citação acompanhou-me durante todo o verão, ecoando com o que há de mais verdadeiro em mim

Neste momento, já estarás a pensar que se trata de um texto filosófico, mas nada temas. Hoje, venho falar-te de mudança de carreira profissional.

Mudar é difícil. Novos colegas, novas rotinas, novas dúvidas. “E se não corre bem?”, “E se descobrem que sou uma fraude?”, “E se estou bem, porquê mudar?”. Dói tudo: o corpo, que luta por sobreviver e encara a novidade como uma ameaça; a alma, que se despede de um lugar que, podendo ou não ter sido feliz, terá sempre momentos que recordamos com saudade; a mente, que desespera por apreender uma nova realidade. Dói porque deixamos para trás a tal leveza da liberdade - mais comummente conhecida por zona de conforto - mas, em simultâneo, procuramos recuperá-la o mais rapidamente possível.

Então, porque mudamos? Este ano fiz a minha oitava mudança de carreira, ao longo de 24 anos (ainda vou hesitei em escrever esta parte... como assim, 24 anos?!).

Voltando ao essencial: se tivermos em conta as dores das mudanças que referi acima, o facto de ter mudado 8 vezes de funções (e, acredita, algumas das mudanças foram mesmo radicais), significaria que os meus últimos 24 anos terão sido miseráveis, em média, de 3 em 3 anos. Mas sabes que mais? Não é verdade! Aliás, até consigo fazer uma daquelas compilações “X Vantagens de Mudar de Carreira”. Não acreditas? Ora aqui vai:

5 aprendizagens sobre mudança de carreira

1 - Se te faz sentido, faz sentido.

A escolha de um trabalho é algo pessoal e, o que o tempo me ensinou é que, à medida que acumulamos experiência, vamos percebendo melhor o que queremos e o que sentimos. Os nossos valores tornam-se mais presentes e, com maior autoconhecimento, podemos fazer escolhas mais acertadas. Acertadas para nós, para o nosso percurso e para a nossa vida, que são únicos. E que, por não serem de mais ninguém, apenas devem ser decididos por nós. E se isso implicar uma mudança, avancemos.

2 - O que algumas das mudanças também me ensinaram foi que o que disse anteriormente, às vezes, não é verdade.

Há mudanças que escolhemos que só mais à frente nos levarão para um caminho que não vislumbrámos à partida. Quando terminei a licenciatura, recusei um emprego na minha área de estudos. Recusei porque segui a minha intuição, contra muitos “Estás doida?”, “Mas isto era o que tu querias!”. Recusei porque não tinha a certeza se “aquilo” continuava a ser o que eu queria, mas também sem grandes outras certezas. No meu caso, só mais tarde percebi que tinha tomado a decisão certa.

Por vezes, a intuição é mesmo a nossa melhor aliada, porque tem a capacidade de prestar atenção a detalhes que, conscientemente, podemos não ter presentes. Como, por exemplo, um ambiente de trabalho que não nos agrada ou algumas questões durante o processo de recrutamento que nos deixaram desconfortáveis. E sabes o que é ainda melhor? Nenhuma decisão destas é para sempre (Uff).

Descobre quais são as 6 lições de carreira que nunca é tarde demais para aprender.

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3 - Competências são competências, aqui ou na China.

Mudar de carreira tem uma vantagem garantida. Permite-nos adotar novos comportamentos e, com isso, ganhar novas competências. Na realidade atual do mercado de trabalho, muitas das competências que desenvolvemos podem ser muito úteis para outras oportunidades.

Se te falar em capacidade de aprendizagem e de análise, comunicação, habilidade comercial ou empatia, talvez reconheças alguma destas competências como ferramentas para o sucesso no teu trabalho atual, certo? Pois bem, também estas são competências que te farão ter sucesso em qualquer trabalho. Por isso é que, mesmo que tomes a decisão radical de mudar de área ou setor (ou até para a China), tudo o que já adquiriste poderá trazer valor imediato à tua nova empresa ou função. E não doer tanto.

4 - Aprender ocupa lugar (no que à mudança diz respeito).

Diria mesmo que aprender ocupa O lugar central em qualquer processo de mudança. Por um lado, as aprendizagens que já adquirimos poderão ser inesperadamente muito úteis para uma nova função. Mais uma vez, recorrendo ao meu exemplo, vivi na Bélgica durante 5 anos e aprendi a falar fluentemente francês. Quando voltei para Portugal, deixei de utilizar o idioma, mas alguns anos mais tarde, uma das minhas mudanças de carreira foi possível precisamente porque, entre outros aspetos, dominava este idioma. Se estás a pensar que aquele curso de patchwork que fizeste quando eras adolescente poderá dar muito jeito no futuro, poderás provavelmente estar a pensar bem. Sempre que possível, adquire novas experiências, sejam elas profissionais ou não, porque estás a tornar-te mais competente e, com isso, também a abrir novas perspetivas para a tua carreira.

Por outro lado, e ainda dentro do tópico “aprendizagem”, uma nova função é sempre uma porta aberta para novas aprendizagens. O facto de não conhecer profundamente determinado domínio nunca foi impeditivo para mudar de carreira. O que realmente marca a diferença entre ter ou não ter sucesso é a abertura à aprendizagem, a rede de contactos que nos permite crescer, os mentores que nos vão apoiando ao longo do caminho. E muita vontade para aprender.

5 - O contexto é importante, mas tu és mais.

Provavelmente, se leste até aqui, já pensaste algo como: “isto é tudo muito bonito, mas e quando não há oportunidades para mudar?” Pois bem, se não há oportunidades para mudar, muda tu.

Parece cliché (e é), mas vê lá se te faz sentido o que digo de seguida.

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Poder ter a liberdade de escolher é um privilégio. Ter consciência desse privilégio e estar grato(a) por tê-lo é ser-lhe fiel. E é este o fio condutor dos meus últimos 24 anos. Escolher.

O que te faz feliz? O que queres agora? O que queres amanhã e o que terás de fazer para lá chegar? Quem são as pessoas que te apoiarão para que consigas alcançar os teus sonhos? Quais as competências ou o conhecimento que tens de adquirir para conseguir o emprego que queres?

A empresa mais importante para a qual alguma vez trabalharás és tu! Como terás sucesso? Como medes esse sucesso? E, mais importante que tudo, de 0 a 10, qual o teu grau de compromisso contigo?

E é aqui que entra novamente o Milan Kundera. Liberdade e responsabilidade são faces da mesma moeda, já que, no que respeita à nossa carreira, a liberdade de escolha não é desprovida de responsabilidade pessoal, bem pelo contrário. É por isso que a frase de Kundera me sugere uma dança eterna que atravessa as mudanças de carreira - querer mais, melhor, mais adequado para nós - enquanto almejamos continuar a ser livres e leves, numa zona de conforto onde podemos dar o nosso melhor. O que acrescentaria, em jeito de resumo pragmático:

1 - que a zona de conforto não seja tão confortável, ao ponto de nos esquecermos que o compromisso connosco deve continuar a ser 10;

2 - que a vontade de mudar não nos desligue do que planeamos e queremos para nós, ao ponto de nos esquecermos que o compromisso connosco deve continuar a ser 10.

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ligia mendes

equity, diversity & inclusion manager