Acredito que os tempos mudaram, mas que neste momento ainda não conseguimos saber quais as suas consequências permanentes, tanto a nível social como pessoal, já que estamos todos ainda a viver a própria experiência. Tal como um investigador, que analisa os seus dados e retira as suas conclusões após aplicar os seus testes, também nós só no futuro é que conseguiremos confirmar todas as suposições e visões projetadas. 

Contudo, podemos já apontar um dos primeiros resultados da nossa experiência: quando somos obrigados a mudar por força do meio, a nossa perspetiva sobre as coisas também muda. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

Neste momento, muitos de nós estamos a participar na maior experiência de teletrabalho que já existiu. Apesar de ser importante reforçar que o que estamos a vivenciar não é trabalho a partir de casa - é trabalho em quarentena! -, ainda assim os primeiros passos para um efetivo teletrabalho já foram dados (e os primeiros passos são sempre os mais difíceis de dar).

Se no passado (como quem diz, há 1 mês atrás) as resistências à mudança para um novo paradigma de trabalho em era digital eram demasiado fortes para se avançar em grande escala, neste momento já todos compreendemos, através de exemplos práticos, que muitas dessas resistências só existiam nas nossas cabeças. 

É claro que há (e sempre haverá) funções que não permitem um trabalho à distância.E também é verdade que em muitas empresas (principalmente nas áreas digitais), este modelo de trabalho já era a norma; e que para muitas outras, estratégias de integração deste novo paradigma já estavam a ser implementadas. Porém, principalmente em organizações já bem estabelecidas e enraizadas nos seus mercados, tal perspectiva foi tendencialmente considerada como um benefício para o colaborador, não como mais uma forma efetiva de trabalho.

Podiamos realmente colocar toda esta pressão de resistência à mudança em cima das “organizações”. Mas não nos podemos esquecer que essas “organizações” são constituídas por pessoas, são feitas por nós, e por isso esta lenta transição não é culpa de ninguém e é culpa de todos.

Tentamos sempre controlar o futuro com base no conhecimento e experiências do passado. 

Todo o ser humano tem tendência a resistir à mudança, mesmo que isso signifique crescimento: preferimos ficar estagnados, do que arriscar evoluir. Mas este modo de resposta automática não é um defeito, é feitio do nosso cérebro, que nos tenta proteger para garantir a nossa própria sobrevivência. Tal resposta era adequada quando vivíamos em meio incerto, no meio da selva a lutar pelas nossas vidas. O curioso é que conseguimos perceber que a nossa envolvente é diferente da deste passado longínquo, mas para o nosso cérebro continuamos em meio incerto, no meio da selva a lutar pelas nossas vidas. 

Quando somos obrigados a mudar e não nos é dada a hipótese de escolha, o processo de evolução acelera. Se de início nos recusavamos a movimentar - sustentados por uma falsa sensação de segurança emitida pelo nosso cérebro -, quando somos obrigados a dar os primeiros passos no sentido da mudança, o corpo obedece, mas a resistência permanece: sentimos a frustração e verbalizamos o descontentamento. Só quando os passos já se tornam automáticos, e o que era novo torna-se banal, é que podemos olhar para trás e orgulharmo-nos do quanto evoluímos.

 

Com isto não pretendo defender que o trabalho à distância deveria ser regra, nem tampouco pretendo desvalorizar a importância e relevância do contacto humano. Tenciono apenas reforçar que somos seres de hábitos, que tudo o que parece impossível (como ter 90% de uma empresa a trabalhar a partir de casa) nem sempre o é e que se repetirmos determinado comportamento durante o tempo suficiente, o que é diferente torna-se normal.

Como disse de início, parece-me precipitado tirar já conclusões de como iremos proceder após esta nova experiência - não sei o que será o nosso “normal” -, mas a prova de que a mudança de paradigma de trabalho é possível (e que não é uma ilusão geracional) está dada e provavelmente é uma tendência que veio para ficar.

 

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Ana Lopes

consultant, human consulting, randstad portugal