A pandemia veio a acelerar os canais digitais, mas Ricardo Jorge, head of NOS Stores and Retail Development, acredita que o retalho presencial tem, e vai continuar a ter valor, e desempenha um papel relevante na relação que as empresas e as marcas querem ter com os seus clientes. Competências como empatia, escuta activa, capacidade de aprendizagem rápida e de polivalência vão ser fundamentais.

 

Entrevista a Ricardo Jorge, head of NOS Stores and Retail Development

 

 

O sector do retalho não alimentar foi particularmente prejudicado pelo período de confinamento ao restringir a mobilidade e a confiança do consumidor, provocando uma quebra do consumo. Como é que isso se fez sentir nos vossos resultados?

O sector das Telecomunicações, como área essencial ao país e sociedade, teve de manter serviços mínimos de atendimento aos seus clientes, pelo que mantivemos grande parte das nossas lojas abertas durante o confinamento. Apesar disso, a redução de tráfego sentiu-se bastante, não só por uma menor procura de clientes, mas também via efeito das restrições ao comércio, limitações horários e regras de ocupação de espaços.

 

Que resposta deram a essa realidade?

A resposta prendeu-se com a capacidade da NOS em adaptar-se muito rapidamente a uma nova realidade de entrega e procura dos nossos serviços e produtos que, fruto das restrições que existiam para um canal tipicamente presencial como o nosso, levaram os clientes a uma utilização ainda maior dos canais telefónicos e de Web.

 

Qual o crescimento que registaram no e-commerce?

O recurso a canais digitais cresceu consideravelmente, não só para compra de produtos e adesão a serviços, mas também para operações de serviço ao cliente. O estudo do comportamento dos nossos clientes revela novas tendências interessantes, como uma maior utilização da APP e do nosso SelfCare para tratar de operações mais simples e para as quais anteriormente recorriam, por norma, às lojas.

 

Que adaptação isso exigiu ao nível dos vossos processos, estrutura e recursos humanos?

Ao longo dos últimos anos temos feito investimentos muito consideráveis ao nível dos canais digitais e da integração destes com as lojas. A compra de equipamentos no site e levantamento na loja são uma realidade já há vários anos na NOS. Mais recentemente, lançámos a opção de entregas ainda mais rápidas, que chegam até duas horas depois da encomenda em casa do cliente, também disponibilizamos a possibilidade de agendar uma visita à loja e estamos presentes em plataformas de conveniência, como a Glovo.

Este contexto permitiu, obviamente, acelerar o desenvolvimento das oportunidades que a omnicalidade oferece.

 

Agora que as lojas já reabriram, qual o comportamento dos consumidores? Qual tem sido o "movimento" nas lojas tradicional, comparativamente ao registado nos canais digitais?

Os nossos clientes têm regressado às nossas lojas, no entanto ainda não estamos com o mesmo de fluxo que registávamos em 2019. O final de 2021 será um bom barómetro para perceber que comportamentos devemos assumir como recuperação.

A título de exemplo e curiosidade, as análises mostram que o tráfego após as 19 horas em centro comercial não tem recuperado, o que comprova que houve alterações de rotinas na vida das pessoas que podem ter impacto nos próximos tempos.

Por outro lado, os canais não presenciais, como o telefónico e digital, têm mantido um maior volume, não só por comportamento do cliente, mas também pela forte aposta da NOS no digital.

 

Como compara o comportamento dos consumidores pré pandemia e pós confinamento?

Há um conjunto de alterações, mas por agora vamos concentrar-nos em dois impactos em loja.

Passámos a ter mais operações por cliente. O cliente quando se desloca à loja, aproveita para tratar de mais do que um tema. E as operações mais simples e rápidas, como por exemplo o pagamento de faturas, reduziram importância no peso do tráfego. Podemos dizer que uma visita à loja passou a ser mais significativa.

Por outro lado, sabemos que alguns clientes ainda não se sentem completamente confortáveis na experimentação, por exemplo em tocar e experimentar um smartphone, e ainda existe algum receio na espera dentro da loja. Será algo a que, com o aumento da confiança neste regresso que tem sido progressivo, a sociedade se irá adaptar novamente.

 

Mas irão os consumidores não vão voltar aos "velhos hábitos"? Ou a pandemia criou novos, que não vºao “recuar”? No limite, poderemos estar a falar do fim das lojas tradicionais?

Creio que os vários sectores de retalho vão sentir efeitos distintos. Não acredito em impactos transversais, nem que será o fim dos espaços comerciais físicos.

Existem novos comportamentos, uma aceleração do digital e da conveniência de processos logísticos para os tornar mais ágeis e rápidos, mas o retalho presencial tem o seu valor para o cliente e desempenha um papel relevante na relação que as empresas e as marcas querem ter com os seus clientes.

No nosso caso, as lojas da NOS serão sempre um dos locais de eleição para experimentação e exploração dos produtos e serviços comercializados, e aqui estaremos incondicionalmente preparados para acompanhar o cliente em qualquer situação que ele precise junto da NOS.

 

Tal como está a acontecer nas empresas, que estão a procurar tornar os escritórios mais apelativos e promover uma melhor employee experience, para que o regresso ao presencial seja feito com entusiasmo e não com resistência ou receio, também as lojas terão que apostar em melhorar a experiência do cliente?

Tem havido um trabalho comum e generalizado no retalho, no sentido de dar ao cliente a confiança necessária para retomar os seus hábitos e rotinas. Para além das medidas mais evidentes, as empresas retalhistas vão certamente continuar a investir em conceitos de loja e em modelos de atendimento que façam a diferença junto do cliente, complementando as ofertas mais transacionais que possam existir nas opções digitais.

 

Como é que isso pode ser feito? Que estratégias estão a adotar para chamar os clientes às lojas?

Como referi, não acredito que existam nem impactos nem medidas transversais para o retalho. Nas empresas de telecomunicações, onde o atendimento é a base de qualquer visita a uma loja, é fundamental haver melhores níveis de empatia com os clientes, capacidade escuta ativa e de ser eficiente na resolução de todas as situações apresentadas.

Para além do atendimento, a forma como os nossos produtos e serviços são explorados e expostos em loja é um desafio constante, no sentido de conseguirmos criar o ambiente certo para que os consumidores queiram experimentar. Com o lançamento do 5G e a sua utilização, teremos muito provavelmente um bom motivo para desenvolver iniciativas de maior impacto e qualidade, que tornem as lojas ainda mais atrativas.

 

Quais os pontos fracos e fortes dos canais online e presencial, nomeadamente em termos de experiência, customização, facilidade, etc.

Vejo complementaridade entre os dois canais. Prova disso é que os maiores retalhistas do mundo fazem um caminho de desenvolvimento contínuo entre as duas realidades. A Amazon, por exemplo, nasceu no mundo online e iniciou um caminho de abertura de lojas físicas há vários anos e, em pleno contexto pandémico, continua a anunciar a abertura de lojas de grande dimensão.

Fruto desta complementaridade vejo, obviamente, os retalhistas a adaptarem-se de modo a que faça sentido para a sua estratégia e consigam deixar a sua pegada no mercado. Isso passa, provavelmente, por criar novas formas de explorar os produtos, pelo aumento da conveniência, da personalização e por um trabalho constante na melhoria do serviço ao cliente, que são variáveis altamente valorizados pelo consumidor.

 

Antes, o contacto humano era um dos fatores distintivos numa ida a uma loja tradicional. Mas agora são cada vez mais frequentes lojas sem caixas. Também nos canais online são frequentemente usados assistentes virtuais em vez de pessoas. Será esta uma das transformações incontornáveis a que vamos assistir a curto prazo?

Penso que o contacto humano ainda é e continuará a ser um fator distintivo. Mas, tomando como exemplo uma operação de pagamento, o contacto humano não pode aportar grande valor acrescentado à experiência de loja.

Pensemos numa loja de eletrónica de consumo: será preferível termos um conjunto de colaboradores na caixa ou termos assistentes especializados, que conseguem manter uma interação adaptada e estruturada com um potencial cliente, fazer um melhor diagnóstico, aconselhar o cliente para o produto certo, dar a confiança necessária ou até mesmo conseguir maximizar a oportunidade junto daquele cliente conseguindo complementar aquela venda com outros produtos de X-Sell?

Os desafios mudaram e é o cliente que dita o caminho da evolução de tendências e melhores práticas. Os check-out automáticos são de uma extrema conveniência para o cliente, pelo que fazem todo o sentido. Os assistentes virtuais são rápidos e eficientes na maioria das operações mais simples. Os clientes acabam por sentir a mais-valia destas soluções, que é o indicador necessário para estas serem adotadas e implementadas, havendo sempre, claro, a necessidade de um tempo de adaptação por parte de todos os intervenientes nesta cadeia.

 

Como se garante a experiência do cliente, a humanização dessa experiência? Ou não é isso o mais relevante?

É uma das componentes mais relevantes, sim. Creio que a maioria dos retalhistas tem planos em curso para um up-skill das suas equipas de loja, de forma a conseguir chegar perto deste objetivo. A base está, essencialmente, em soft skills, sobre as quais não é simples dar formação ou moldar, sobretudo quando, muitas vezes, falamos de equipas grandes, descentralizadas, com condicionantes de horários e turnos rotativos.

Competências como empatia, escuta ativa, capacidade de aprendizagem rápida e de polivalência são necessárias para conseguirmos ter na loja a experiência que torna o presencial especial e relevante na vida dos consumidores.

 

Que impacto isso poderá ter o maior recurso à inteligência artificial ao nível do emprego?

Um dos grandes desafios que temos, enquanto sociedade, é perceber como a automatização irá impactar os nossos níveis de emprego. É uma incógnita e ninguém consegue antecipar se a própria economia irá acomodar este efeito ou se teremos de encontrar outro tipo de solução enquanto sociedade.

De qualquer forma, e abordando apenas a realidade de hoje e que temos nas nossas lojas, existem um conjunto de operações simples e rápidas para as quais os clientes adotam cada vez mais canais alternativos, deixando a loja para operações mais complexas ou que envolvam um produto físico, em âmbito de serviço. Por isso, cada uma das nossas pessoas acaba por passar mais tempo com cada cliente não se notando, por isso, diferença no tempo de atendimento.

 

Que tendências e desafios perspetiva para o vosso sector, nomeadamente para a área que lidera?

Já fui referindo vários desafios. Resumindo, destaco a aceleração dos canais digitais e a complementaridade com o retalho presencial, o que obriga a uma reflexão profunda sobre o nosso footprint e sobre os locais onde podemos e devemos estar.

Outro desafio prende-se com o desenvolvimento de competências. Os planos de up-skill e o recrutamento mais afinado para as competências do futuro são uma necessidade. É um processo complexo e longo, mas em que estamos a avançar.

Não posso deixar de referir que existe sempre um conjunto de fatores externos que colocam uma pressão grande ao nível dos custos que o retalho presencial envolve, pelo que o aumento de produtividade para acompanhar a pressão dos custos é, provavelmente, o maior desafio de curto prazo.

 

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head of nos stores and retail development