Uma das palavras-chave frequentemente associadas ao tema da equidade, diversidade e inclusão é a "interseccionalidade". Este importante termo é um dos inigualáveis contributos das teorias feministas para a ciência e compreensão lata das complexas relações sociais na base das desigualdades socioeconómicas e de género, estando ainda associado à promoção de um ambiente de trabalho mais diverso, equitativo e inclusivo.

Não obstante a popularização do termo e a sua influência no meio científico, com exponencial aumento profissional, a sua utilização nem sempre é coerente e o termo “interseccionalidade” é, por vezes, usado sem rigor ou consenso.

Por isso, neste artigo:

  1. começo por resgatar a  origem do conceito no movimento feminista,
  2. reforço a noção de que todos nós existimos dentro de alguma interseccionalidade,
  3. abordo questões essenciais a integrar nas estratégias empresariais para ambientes corporativos mais inclusivos, dando o exemplo da Randstad Portugal,
  4. e termino por relançar o termo nas práticas de equidade, diversidade e inclusão no mercado de trabalho, reforçando a sua importância na construção de um ambiente inclusivo.
group conversation in a boardroom
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interseccionalidade e as suas origens

Nos últimos anos, o tecido corporativo em Portugal viu o crescimento da preocupação com a responsabilidade social, e no cerne dessa discussão encontramos a noção da interseccionalidade. Palavra essa, que foi cunhada por Kimberlé Crenshaw, defensora de direitos civis e estudiosa da teoria crítica da raça em 1989. Segundo a autora, “Interseccionalidade é uma metáfora para compreender as maneiras como múltiplas formas de desigualdade ou desvantagem às vezes se amplificam, criando obstáculos frequentemente não compreendidos dentro das formas convencionais de pensar sobre o antirracismo ou o feminismo”.

Por outras palavras, a interseccionalidade é um prisma que permite analisarmos mais profundamente o ponto de contacto de diferentes fatores sociais. Categorias identitárias como o género, idade, etnia, localização geográfica, afiliação religiosa, poder económico, entre outras, não afetam uma pessoa de forma holística, todos temos uma combinação destes fatores sociodemográficos que modificam a forma como experienciamos o mundo e o privilégio.

Se considerarmos a desigualdade de género como exemplo, podemos observar que uma mulher que reside fora dos grandes centros urbanos possui, regra geral, menos oportunidades de trabalho em comparação com uma mulher que vive nas áreas urbanas. No entanto, paradoxalmente, a disparidade salarial entre mulheres e homens em zonas rurais em Portugal é menor do que a disparidade entre homens e mulheres em áreas urbanas. Portanto, ao considerar os fatores "género" e "localização geográfica", obtemos um quadro mais específico e uma análise mais robusta sobre a disparidade salarial e as oportunidades de emprego. Este exemplo, ilustra como a interseccionalidade, ao considerar múltiplos fatores, pode fornecer insights mais aprofundados sobre as complexidades das desigualdades sociais. 

A interseccionalidade também nos permite compreender que as razões para a exclusão, ou a desigualdade entre certos grupos, não podem ser explicadas por um único fator isolado. Por exemplo, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, homens migrantes em países de "Alto Rendimento" ("High Income Countries") recebem, em média, menos 16.2%, enquanto mulheres migrantes enfrentam uma dupla penalização, recebendo em média menos 20.9%. Ao analisar essa situação, a interseccionalidade entre os fatores sociodemográficos cria a necessidade de uma análise que considere tanto a perspectiva de género quanto a de imigração. Nesse contexto, um fator não exclui o outro; pelo contrário, são interdependentes e acentuam-se mutuamente.

responsabilidade social e corporativa

o impacto social da Randstad Portugal

sustentabilidade

todos fazem parte de uma interseccionalidade

Nos temas sobre diversidade costumamos “essencializar” o “outro”, ou seja, considerar inconscientemente que somos a “base de análise” do “normal” e quanto mais distantes as pessoas se encontram em relação a nós, mais “outro” se tornam. A verdade é que esta análise nunca é unilateral, já que para o “outro”, nós somos o “outro” que se distancia do normal por qualquer fator que demonstramos ter.

Acredito que esta tendência também abrange o conceito de interseccionalidade, que tende a ser utilizado quando falamos do “outro”, e não de nós mesmos. Por isso, gostaria de sublinhar que todos vivemos numa interseccionalidade: todos temos um conjunto de fatores sociodemográficos que nos tornam únicos, gostos que outras pessoas não entendem perfeitamente, e preferências alimentares peculiares, por exemplo.

Estes detalhes são construídos através de uma relação do sujeito com o ambiente em que está inserido, influenciado pela sua história e por condicionantes sociais, que afetam a nossa vida em todos os momentos. O ponto de contacto destes fatores, que fazem de nós pessoas únicas, também é uma interseccionalidade, já que nenhum destes nos descreveria isolado. Todas as pessoas são únicas e vivem dentro destes pontos de contacto, sendo que alguns destes fatores contribuem para uma maior marginalização enquanto outros para um maior acesso a certos privilégios e oportunidades.

Isto, claramente, não significa que a combinação de fatores sociais específicos não seja, também, específica e portadora de mais ou menos fatores de marginalização social. Os sujeitos que habitam na interseção específica das mulheres imigrantes, como visto acima, também têm uma história única, agencialidade e diversas interseccionalidades que os separam uns dos outros, mas a categoria geral tem um valor extremamente importante na análise da desigualdade de género e na disparidade social, que permite o encontro de soluções para reduzir cada vez mais estes vácuos.

Como promover um ambiente equitativo e justo em contexto empresarial

Com o exponencial aumento da preocupação com os temas da equidade, diversidade e inclusão no mercado português, é essencial trazer para as organizações esta lente teórica e a metáfora de Kimberlé Crenshaw. Para criar um ambiente livre e inclusivo é necessário abrir espaço para vozes de diferentes origens. Contudo, é crucial evitar exclusões dentro da própria diversidade.

Ao procurar diminuir a desigualdade de género, por exemplo, as empresas devem garantir que as oportunidades não são concedidas apenas a um subgrupo dentro da categoria mais ampla de mulheres, evitando discriminações e promovendo a inclusão real. No caso da disparidade salarial, é importante questionar se todos os fatores sociodemográficos estão considerados e se todos os colaboradores estão efetivamente contemplados na estratégia salarial.

Essas questões devem ser cada vez mais integradas nas estratégias empresariais, como um valor intrínseco que guia as decisões superiores. A busca pela diversidade real requer a participação de todos os colaboradores e a presença de pessoas de todas as origens, que contemplem estes pontos de conexão. Só com a multiplicidade de perspectivas é possível construir ambientes corporativos verdadeiramente diversos.

A pluralidade de vozes é fundamental para promover um discurso equitativo e justo sobre o futuro. Essa abordagem não beneficia apenas os colaboradores individualmente, mas fortalece também as empresas, tornando-as mais inovadoras e resilientes diante dos desafios do mundo contemporâneo.

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a Randstad Portugal não apenas constrói equipas mais diversas e representativas da pluralidade da sociedade portuguesa, como contribui também para o fortalecimento da cultura inclusiva, onde todas as pessoas podem ser quem são e mostrar o seu “best self”.

interseccionalidade na Randstad Portugal

Na Randstad Portugal, os valores centrais da equidade, diversidade e inclusão, estão alinhados com a noção de interseccionalidade; tema já antes debatido. Essa abordagem reconhece a complexidade das identidades individuais, considerando não apenas uma dimensão única da diversidade, mas as interconexões entre diferentes formas de identidade e experiência; de forma a que todas as vozes estejam representadas.

No processo de recrutamento e seleção cada vez mais inclusivo e equitativo, promovido pela nossa empresa, a interseccionalidade é um fator estruturante nas parcerias que estabelecemos com organizações de economia solidária, que trabalham nestes pontos de contacto, e no reconhecimento dos candidatos enquanto indivíduos únicos, com novas perspectivas e potencial para as nossas equipas, cada vez mais diversificadas e completas.

Ao integrar estes valores de forma orgânica nos processos, face à missão de se tornar a empresa mais equitativa e especializada do mundo, a Randstad Portugal não apenas constrói equipas mais diversas e representativas da pluralidade da sociedade portuguesa, como contribui também para o fortalecimento da cultura inclusiva, onde todas as pessoas podem ser quem são e mostrar o seu “best self”. Além de beneficiar os colaboradores, esta abordagem aporta um enorme valor às organizações, promovendo inovação, criatividade e sustentabilidade a longo prazo.

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Ou nos curamos como uma equipa, ou morreremos como indivíduos.

Al Pacino no filme "Any Given Sunday"

compromisso interseccional da Randstad

Em resumo, o termo "Interseccionalidade", cunhado por Kimberlé Crenshaw, refere-se à análise das interseções entre diversos fatores sociais que moldam a pluralidade de experiências e tratamentos vivenciados diariamente por todos nós. Ao abordar questões como disparidade salarial e desigualdade de género é imperativo considerar condicionantes como etnia, religião, localização geográfica e situação migratória.

Nesse contexto, a Randstad analisa o mundo do trabalho sob as complexas e ricas lentes da interseccionalidade. Além de refletir os valores intrínsecos da empresa,  essa abordagem é uma autêntica missão rumo a um mundo melhor e mais justo. Até porque, se não pudermos ser nós mesmos no trabalho, nunca conseguiremos atingir os nossos objetivos e ser o nosso “best self, everyday”.

Como é sublinhado de forma brilhante por Al Pacino no filme "Any Given Sunday", "ou nos curamos como uma equipa, ou morreremos como indivíduos". A verdadeira transformação só acontece quando reconhecemos e acolhemos as complexidades das experiências individuais no mundo profissional, promovendo assim uma sociedade mais justa e inclusiva.

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Lucas Fonseca Randstad
Lucas Fonseca Randstad

Lucas Fonseca

ed&i specialist