O regresso aos locais de trabalho, e os novos modelos de trabalho, são desafios mais imediatos que as empresas terão que enfrentar. Mas a médio prazo, temas como o upskilling e a utilização da tecnologia serão fundamentais nas organizações, o que veio acentuar a procura por perfis tecnológicos. 

Entrevista a Nuno Gonçalo Simões, Human Capital Director da PwC

Quais as evoluções mais significativas que identifica no sector em que actuam, nos últimos anos?



Nos últimos anos, temos assistido ao crescente uso da tecnologia nas nossas ferramentas de trabalho, quer em auditoria, consultoria e assessoria fiscal. Tarefas rotineiras e uma cada vez maior necessidade de rigor no tratamento de informação e de dados, exigem soluções tecnológicas robustas, tais como as que a PwC tem utilizado para o desenvolvimento do trabalho junto dos seus clientes. 

A pandemia da covid-19 veio acelerar e confirmar esta mesma necessidade.

Como é que a pandemia veio impactar o vosso negócio?



A PwC tomou medidas muito cedo para protecção dos seus colaboradores e clientes, tendo, logo no dia 12 de Março de 2020, tomado a decisão de colocar todos os colaboradores em regime de trabalho remoto, garantindo, em primeiro lugar, a sua protecção, a dotação de meios tecnológicos e humanos adequados, a continuidade da prestação dos serviços para satisfazer todos os compromissos assumidos e o diálogo permanente com as comunidades em que estamos envolvidos, o que tem permitido que a firma esteja a funcionar sem impactos significativos. 

Trata-se de um momento de aprendizagem e que obriga a reflexão e gestão de curto prazo, com os olhos postos no longo prazo e na recuperação. Temos dado uma atenção especial ao caixa, à produção, recebimentos e diminuição ou adiamento de algumas despesas. 

O trabalho remoto trouxe desafios acrescidos?



A PwC está muito bem preparada para o trabalho remoto em condições de eficiência, comunicação entre equipas e clientes, e segurança e confidencialidade da informação. A adaptação foi rápida. Nestes momentos de maior excepcionalidade temos de agir na altura certa, na dimensão adequada, mantendo a esperança e os nossos valores e princípios éticos. 



 

Considera que a maioria das empresas conseguiu lidar com as principais dificuldades e ultrapassá-las ou algumas ficaram "pelo caminho"?



Eu diria que existem muitas empresas que felizmente estão a conseguir lidar e ultrapassar esta situação global que nos tem afectado, com maior ou menor esforço. Conseguiram adaptar-se à situação de uma forma rápida e ágil, também porque a tipologia do seu negócio assim o permite. 

Obviamente que, quando olhamos para a economia, conseguimos facilmente perceber que alguns sectores foram bastante afectados com esta situação, como o Turismo, a Restauração e o Lazer. Só para termos a ideia, no início deste ano a World Tourism Organization mencionava que após um crescimento continuado nos últimos 50 anos, o ano de 2020 tinha sido o pior na história do Turismo, tendo existido um recuo de quase 30 anos no número de chegadas internacionais (400 milhões versus 1,5 biliões em 2019). Já em Portugal, estimava-se no final de 2020 que na área do Alojamento tenha existido uma redução de cerca de 60%. 

Quando for feito um balanço de toda esta situação, certamente existirão vários negócios e empresas que infelizmente ficaram “pelo caminho”, contudo acredito igualmente que outros conseguirão sair fortalecidos e possivelmente até com tendências de crescimento para o futuro.



Em concreto no que respeita à área de Human Capital, quais foram as prioridades das empresas, e da PwC em particular?



Daquilo que pude ir ouvindo e lendo, a minha percepção é que de uma maneira geral as empresas em Portugal tentaram gerir com cuidado a pandemia, primeiramente salvaguardando as pessoas e depois tentando garantir a continuidade dos negócios sempre que possível. 

Esse foi também o nosso caso. Na PwC, a principal prioridade foi garantir a segurança das nossas pessoas. Para que tal acontecesse, tomámos rapidamente a iniciativa de colocar as equipas a trabalhar de forma remota e garantir que tinham as ferramentas necessárias para que tal acontecesse. 

Tivemos de olhar também para todos os processos de Recursos Humanos e adaptá-los rapidamente para o formato virtual. O Onboarding, Recrutamento e Formação são alguns exemplos.  

Paralelamente, optámos por garantir uma comunicação frequente, transparente e próxima, perante uma situação que todos desconhecíamos e que não tínhamos real noção dos impactos associados. A comunicação passou por garantir informação acerca da pandemia, sobre os impactos na empresa, bem como a divulgação de actividades virtuais lúdicas para realizar em tempo de confinamento obrigatório. 

Existiu ao longo deste período igualmente a preocupação de garantir que a comunicação fosse bidirecional, através de questionários e workshops temáticos sobre os mais variados temas, a grande maioria deles ligados à saúde mental. Aliás foi durante este período que lançámos o nosso programa de apoio psicológico individual denominado Lift your Welness, em que as nossas pessoas podem de forma gratuita ter acesso a psicólogos. O balanço até ao momento tem sido positivo, pois as equipas têm conseguido manter a qualidade de serviço e a entrega juntos dos clientes.

Não tenho dúvidas de que as empresas que colocaram as pessoas em primeiro lugar estão e irão continuar a ter o retorno disso no futuro. As pessoas são a essência das organizações e este desafio à escala planetária foi um bom momento para se colocar em prática aquilo que se ouve dizer tantas vezes.



 

Quais os temas que agora se destacam como fundamentais?



Nesta fase, eu diria que os temas podem ser diferentes consoante os sectores de actividade e o próprio momento em que a organização se encontra.  Em algumas organizações podemos estar a falar da sua sustentabilidade, em que a discussão passará por perceber se as estruturas existentes se irão manter ou se terão de existir ajustamentos. Noutras, os temas em análise poderão passar pelas novas formas de trabalho e os seus potenciais impactos. 

Outros temas são a retenção de talento, os modelos de trabalho mais flexíveis e as questões ligadas à saúde e bem-estar. Na PwC lançámos recentemente a iniciativa Flex Friday que possibilita que todos possamos usufruir este ano de oito tardes de sexta-feira entre o mês de Maio e Setembro.  

A segurança no trabalho (pro exemplo a vertente segurança Covid-19, a saúde mental, entre outros), aculturação e aprendizagem dos novos colaboradores, sobretudo no sector dos serviços, onde o trabalho remoto tem vindo a ser obrigatório, são igualmente temas que possivelmente terão cada vez mais peso para os colaboradores.

Este último ponto para empresas formadoras como a PwC, que recruta anualmente perto de duas centenas de jovens, torna-se crucial, pois é importante que quem entra na empresa consiga viver os nossos valores e se sinta parte integrante da nossa cultura e propósito. Estes aspectos são também eles próprios facilitadores de aprendizagem, que no nosso sector são fundamentais para o crescimento e progressão na carreira. 

Este é um pequeno exemplo da complexidade que os tópicos acima poderão ter nas organizações a curto prazo, avizinham-se sem dúvida desafios na Gestão de Pessoas nas organizações.



 

Como já referiu, um dos temas em destaque tem sido o teletrabalho, com muitas empresas a ter dificuldade em desenhar o modelo futuro, também por não haver grandes certezas sobre até onde a lei permite ir. Têm sentido esta preocupação? Como vêem este tema?



Sim, temos essa preocupação. Na realidade esse é um tema bastante pertinente. Muitas empresas estão já a pensar e a delinear possíveis modelos de trabalho mais flexíveis para o futuro, numa fase em que a pandemia fique mais controlada e a PwC não é uma excepção. Actualmente, como se sabe, existe já em vigor legislação que regula o teletrabalho, contudo a obrigatoriedade de trabalho remoto que surgiu devido à pandemia veio mostrar que o tema deveria ser mais debatido, e em última instância até com a revisão da legislação, tornando-a mais adequada a regimes híbridos. 

A situação de teletrabalho que temos vindo a experienciar, sendo obrigatória, tem características particulares e únicas, contudo demonstrou que é uma possibilidade real e que poderá ser uma forma de aumentar a flexibilidade na vertente laboral. 

Obviamente que neste campo não devemos descurar outros temas que ficaram mais evidentes devido a esta situação e que deverão ser igualmente discutidos. Falo, por exemplo, do direito a desligar.



 

Em termos de perfis profissionais, que mudanças têm sentido no mercado?



Eu diria que em termos dos perfis profissionais procurados não existiu uma mudança muito significativa com a pandemia, possivelmente aumentou uma tendência de crescimento já existente na procura de profissionais ligados à vertente tecnológica. A explicação poderá passar por algumas empresas sentirem que tinham de evoluir de forma mais rápida nessa área, pois, em alguns casos, existia impacto directo no seu negócio, (em âmbitos  como o comércio online ou a cibersegurança, por exemplo) e precisaram de recrutar mais profissionais com essas competências.

Conseguimos também concluir que o aumento do desemprego em Portugal no último ano impactou mais os perfis indiferenciados. Nos restantes perfis, após um momento inicial em que o mercado de trabalho ficou mais estagnado, influenciado pela incerteza da situação pandémica, quer do lado das empresas, quer do lado dos candidatos, começam a existir mais movimentações. 

Isto significa que as empresas, com o decorrer do tempo, estão mais adaptadas à nova realidade e os candidatos também já se sentem mais confiantes em mudar de emprego, pois ambos entenderam que fim da pandemia seria algo mais diluído no tempo. 



 

Quais os principais desafios que perspectiva a curto prazo, nas vossas diferentes áreas de actuação? E que tendências identifica?



A curto prazo, os desafios passarão certamente por garantir que exista um regresso aos locais de trabalho, feito de forma tranquila e segura. 

Os novos modelos de trabalho serão igualmente um aspecto relevante, pois é importante aproveitar a aprendizagem que temos tido nos últimos tempos e aplicar esse conhecimento na construção de soluções à medida. Sinceramente, acredito em modelos flexíveis e adaptáveis às realidades e necessidades quer das pessoas, quer das organizações, só assim poderemos encontrar soluções equilibradas e sustentáveis. Será fundamental também perceber como os nossos clientes vão actuar de forma a que possamos estar alinhados com as suas necessidades.

Numa perspectiva de continuidade mais a médio longo prazo, a questão do upskilling, a utilização da tecnologia nas organizações, a cibersegurança, a importância das empresas incorporarem as componentes ambiental, social e financeira nas estratégias e terem reportes transparentes dessas vertentes serão tendências relevantes a ter em consideração.

 

Entrevista a
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Nuno Gonçalo Simões

human capital director da pwc