É um tema de que se fala pouco, mas relevante no mundo do trabalho: candidatos a empregos com excesso de qualificações são discriminados. Jack Kelly, CEO, fundador e recrutador executivo numa empresa de pesquisa global escreveu um artigo para o site da Forbes sobre como combater este comportamento tendencioso, que não beneficia a competitividade das empresas, nem dos países.

 

O Wall Street Journal revelou recentemente os desafios difíceis que os profissionais com excesso de qualificações enfrentam quando se candidatam a um emprego. O artigo baseia-se num estudo feito por professores universitários em Carnegie Mellon, Stanford e Johns Hopkins. A pesquisa conclui que «os gestores vêem os candidatos altamente capazes como tendo um empenho mais baixo na empresa do que os menos capazes, mas adequados, e, como resultado, penalizam os candidatos com altas capacidades no processo de contratação».

As circunstâncias são ainda piores para os candidatos com excesso de qualificações. Quando o currículo de um indivíduo cujo nível de experiência ultrapassa de longe o cargo, acaba na secretária de um profissional de Recursos Humanos ou de contratações, estes perguntam porque é que a pessoa quer o emprego e o que se passará com ela.

Há uma tendenciosidade inerente aqui. Os representantes da empresa ficam desconfiados – porque é que uma pessoa que atingiu tanto sucesso, estatuto e remuneração, está disposta a dar um passo atrás? É uma dúvida para a maioria dos profissionais de tipo A. Ficam convencidos de que algo de errado se passa – talvez a pessoa tenha perdido o rumo, tenha chegado ao seu próprio nível de incompetência ou queira simplesmente encostar-se.

Há também um ressentimento subjacente. Uma pessoa com excesso de qualificações – com diplomas de universidades de elite e um currículo que inclui as maiores empresas – pode criar desmotivação. Um gestor e outros envolvidos no processo de contratação verão estas qualificações como um “prejuízo”. Acreditarão, sem qualquer prova tangível, que este tipo de candidato será convencido, arrogante e difícil de gerir. Existe um toque de inveja mesquinha envolvido e um prazer perverso em recusar alguém que aparentemente teve uma vida fácil.

Gostaríamos de acreditar que quando as pessoas contratam, têm em mente o melhor interesse da empresa. Mas a verdade é que elas estão mais preocupadas com as suas próprias carreiras. Se uma gestora tem cerca de 30 anos e o candidato tem mais de 45, ela pode sentir que toda a atenção se irá virar para a pessoa mais velha e experiente. Farão todas as perguntas à pessoa com mais qualificações, e mais experiência prática e de vida, em vez de as fazerem à gestora mais jovem e menos experiente. E isso poderá fazer a gestora ficar preocupada com a possibilidade de ser posta de lado. Pode acreditar que isto é um estratagema e que a pessoa experiente não quer assentar, mas, em vez disso, retirá-la do cargo e ficar com ele.

 

Remuneração e idade

Por outro lado, existe também uma correlação directa entre experiência e compensação. Embora um candidato com excesso de qualificações possa sugerir que aceitará menos dinheiro, há a preocupação de que essa atitude mude rapidamente. Após se empenharem no emprego, acumularem responsabilidades importantes e se tornarem parte integral da empresa, a pessoa pode pedir mais dinheiro e um cargo de maior responsabilidade e relevância – agora que tem vantagem. Ficando numa situação desconfortável, a gestão pode não ter outra opção a não ser concordar ou arriscar-se a que saia alguém de valor. Se um aumento ou uma promoção for oferecida, os outros no grupo sentir-se-ão enganados e traídos pela pessoa.

O Wall Street Journal toca noutra questão importante – a idade. Falei com muitos profissionais empresariais, entre os 30 e os 50 anos de idade, que foram despedidos. Foram dadas várias razões para o despedimento, mas todos suspeitam que a idade e a remuneração foram as principais causas. E todos estão a ter dificuldade em encontrar empregos novos semelhantes. Notei também uma forte tendência de empresas que procuram colaboradores mais novos, pois pedem muito menos dinheiro do que os seus homólogos mais velhos.

Outra tendência relacionada é o movimento de empregos de cidades ou países com custos mais baixos. Quando isto acontece, há menos empregos relevantes disponíveis para profissionais com experiência. Quando eles surgem, é uma questão simples para a empresa: contratamos uma pessoa com excesso de qualificações de Nova Iorque – o que é muito dispendioso quando se inclui custos em habitação, seguros e outros benefícios – ou simplesmente preenchemos o cargo com uma pessoa mais jovem de Salt Lake City ou Jaksonville. Para poupar ainda mais dinheiro, podem ter em conta a Polónia ou a Índia.

Há outro comportamento tendencioso. Algumas pessoas acreditam que se alguém tiver excesso de qualificações – o que normalmente está ligado à idade –, a pessoa irá agir como se soubesse tudo, não irá trabalhar tanto, irá queixar-se de como as coisas correm mal e o que faria de diferente, irá ter um tom autoritário e desagradável, falará com arrogância para os mais novos e não estará alinhado com a cultura empresarial. É uma forma de preconceito demonstrada abertamente e aceite por muitos.

Como referido no Wall Street Journal, há o risco de pensar que a pessoa com excesso de qualificações está à procura de um emprego temporário, até encontrar outro melhor. Assim que encontrar um cargo mais adequado, a pessoa sairá imediatamente por mais dinheiro e um cargo melhor colocado na hierarquia da empresa.

 

O que fazer?

Assim, os profissionais de elevado nível de qualificação, devem ter em atenção:

- Ir à entrevista com a consciência de que pode haver um comportamento defensivo e suspeitas inerentes. Quando estas surgirem, não serão apanhados desprevenidos.

- Antes de o entrevistador fazer a pergunta, devem dizer o que aconteceu no último emprego e porque querem este cargo. Devem ser transparentes, mesmo que seja desconfortável. Se não tiverem uma história coerente, honesta e irrefutável, vão presumir o pior.

- No discurso, e também nas acções, mostrar que gostam de trabalhar em equipa e que o fazem bem.

- Demonstrar entusiasmo e motivação para contrariar noções preconcebidas.

- Ser empático, ouvir com atenção e mostrar respeito para com os entrevistadores.

- Assegurar ao entrevistador que este emprego não é temporário e que estão ali para ficar.

Infelizmente, não recebem a mesma remuneração nem o mesmo estatuto que tinham quando aceitam um cargo menor. E é pena que, só por ser qualificado, seja preciso um cuidado extra nas entrevistas. Contudo, é o necessário quando se enfrentam estereótipos intrínsecos e negativos. Mas não desesperem; isto acontece frequentemente nas carreiras profissionais. Vejam isto como uma oportunidade para reagrupar, aprender novas capacidades e criar novas ligações. Poderá ser a base para o sucesso futuro.