As empresas e os colaboradores no epicentro do surto de COVID-19 revelam o que funciona em tempo de crise – e o que não funciona. Tendo por base o exemplo da China.

Na MIT Sloan Management Review, Michael Hudecheck, Charlotta Sirén, Dietmar Grichnick e Joakim Wincent* escreveram um artigo sobre como podem as empresas responder ao novo coronavírus, começando por destacar que líderes de todo o mundo enfrentam uma dupla ansiedade: qual o impacto do surto de coronavírus (COVID-19) na economia e o que devem fazer as empresas para se prepararem.

Os cientistas há muito que avisavam que as doenças infecciosas emergentes representam uma nova realidade com potencial para causar sofrimento humano e crises financeiras sem precedentes. O epicentro da pandemia foi a cidade de Wuhan, na China – situação declarada no dia 31 de Dezembro de 2019 – mas hoje é já uma crise global.

Os gestores não sabem com clareza como preparar as suas organizações para um evento pandémico global. A Organização Mundial de Saúde (OMS) registou 1438 epidemias entre 2011 e 2018 e nota: «Além da perda de vidas humanas, as epidemias e as pandemias devastam as economias.» 

Tendo em conta a experiência chinesa, os autores identificam algumas boas práticas.

As melhores práticas para guiar as empresas durante o surto de COVID-19



A nossa equipa tem agregado sistematicamente dados de notícias e de redes sociais das regiões atingidas com mais severidade na China para compreender melhor como a COVID-19 afectou a economia chinesa, incluindo as zonas menos observáveis através de indicadores económicos tradicionais. Esta recolha de dados deu-nos uma perspectiva única sobre a forma como as empresas chinesas e outras organizações têm respondido à crise existente.

Os dados mostram que há várias medidas tomadas com sucesso pelos gestores chineses, muitas vezes com o apoio das autoridades chinesas, para mitigar o impacto do vírus e as suas disrupções. Há também diversas áreas em que a falta de preparação levou a resultados menos desejáveis.

Acreditamos que os gestores podem aprender muito com o modo como as empresas na China têm lidado com a COVID-19. Estas práticas de sobrevivência incluem políticas inteligentes sobre trabalho remoto; antecipar e mitigar obstáculos operacionais; e abordar os impactos sociais desta emergência médica.

- Desenvolver uma infra-estrutura para o trabalho remoto



O trabalho a distância há muito que é visto como essencial para manter as operações normais durante uma crise. Muitas empresas chinesas, com o apoio das autoridades, começaram a passar muita da sua força de trabalho que não trabalha em produção para o trabalho a distância após o final do Ano Novo chinês, no final de Janeiro. Para os colaboradores, principalmente para o que não estão habituados a trabalhar a distância, pode haver dúvidas sobre as melhores práticas de trabalho a distância, já que observámos comentários no Weibo, uma popular rede social chinesa, sobre a preocupação de «estar disponível 24 horas por dia».

Claro que muitos empregos, principalmente na produção, não podem transitar para o trabalho a distância. Apenas 33% das pequenas e médias empresas chinesas, que empregam 80% dos colaboradores chineses, conseguiram voltar às operações normais no final de Fevereiro.

Usando a experiência chinesa como modelo, acreditamos que existem medidas que os gestores podem tomar para maximizar a eficácia do trabalho remoto durante uma crise. Incluem:

▪ Se ainda não o estão a fazer, permitam que os vossos colaboradores trabalhem a distância. As empresas que permitem o teletrabalho – neste momento – terão conhecimentos tácticos, planeamento e infra-estruturas necessários disponíveis para transitar rapidamente mais operações se for necessário.

▪ Formem os vossos líderes. Os dados mostram que as principais queixas dos colaboradores sobre o trabalho remoto são sobre os gestores que não respeitam as horas de expediente normais. Os líderes precisam de regras sensatas sobre a disponibilidade dos colaboradores.

▪ Identifiquem os colaboradores que são mais importantes para a continuidade do negócio. Têm as ferramentas para trabalhar eficazmente a partir de casa se for preciso? Assegurem-se de que estão preparados.

▪ Desenvolvam um cenário de catástrofe que inclua teletrabalho. Como funcionaria o vosso negócio se houvesse uma quarentena que fechasse áreas geográficas onde operam? Usem técnicas do planeamento de cenários para compreenderem a melhor forma de reunir a capacidade de retomar as operações, mesmo que de forma limitada.

 

- Estejam prontos para choques operacionais



A nossa pesquisa revela os conflitos de muitas pequenas e médias empresas (PMEs) na China que foram praticamente ignoradas pelos media ocidentais. As PMEs contribuem até 60% para o produto interno bruto chinês. Contudo, muitas empresas chinesas mais pequenas, principalmente na produção, turismo e construção, operam com margens pequenas e estão atoladas em dívidas. Os dados mostram que a falta de fundos operacionais disponíveis é uma das preocupações mais frequentes reveladas online pelas PMEs chinesas.

O meio da crise é a pior altura para tentar lutar pela base das operações, quer seja encontrar capital para pagar salários ou encontrar fornecedores alternativos porque a fonte regular secou. Se acreditam que a vossa empresa pode ficar em dificuldade por causa do COVID-19, sigam imediatamente as seguintes medidas:

▪ Tenham pelo menos um a três meses de capital disponível. Esta almofada é necessária para cobrir despesas imediatas, como salários ou pagamento de dívidas. Não dependam apenas de instrumentos financeiros ou de crédito a curto prazo para compensar a diferença.

▪ Saibam quais as opções existentes para aumentar empréstimos, prazos e outras obrigações a curto prazo. Analisem isto agora. Os bancos querem recuperar o empréstimo original, e no meio da crise, pedir mais dinheiro ou mudar as condições de um empréstimo será difícil. Alguns governos têm programas de apoio ou oferecem outras formas de assistência específica. O governo chinês, por exemplo, destinou 104 mil milhões de euros para apoiar créditos a curto prazo para as PMEs.

▪ Tenham um stock adequado de peças fundamentais e de outros elementos necessários. Se ainda não o fizeram, identifiquem e estabeleçam relações com fornecedores alternativos de países menos afectados pela crise. Desenvolver resistência na cadeia de abastecimento é uma boa prática, independentemente da situação. (Para nossa surpresa, muitas empresas chinesas foram apanhadas completamente desprevenidas pela necessidade de encontrar novos fornecedores.)

▪ Tentem compreender o grau de preparação dos principais fornecedores e outros stakeholders perante um evento inesperado. Quanto mais conhecimentos obtiverem nas fases iniciais deste surto, melhor preparados estarão se e quando as circunstâncias mudarem.

- Ser um player na comunidade



A solidariedade é uma resposta importante a desastres naturais como a COVID-19. Além de ser simplesmente uma boa prática por razões éticas, há correlações empiricamente estabelecidas entre as actividades de solidariedade e o desempenho financeiro futuro, a melhoria nas relações com autoridades estatais e a legitimidade da reputação. 

As empresas que reconhecem o stress nos sistemas sociais durante emergências médicas têm mais probabilidade de terem sucesso mais tarde em comparação com as empresas que não o fazem. A solidariedade empresarial oferecida pelas empresas locais tem um efeito particularmente forte e positivo. Eis três ideias:



▪  Escolham organizações locais e comunitárias na vossa área. A generosidade empresarial tem um impacto muito maior quando é fornecida directamente a uma comunidade local.

▪ Encorajem o trabalho voluntário da vossa força de trabalho. Os colaboradores que têm a opção de participar em programas de voluntariado empresarial têm mais probabilidade de repetirem essa participação.

▪  Revelem o que fizeram. Lancem uma declaração externa sucinta quando fazem um donativo. Não se gabem: forneçam apenas os pormenores mais pertinentes, incluindo a quantia dos fundos envolvidos, os principais beneficiários e destinatários e o que esperam atingir com o donativo. Incluam uma citação da equipa de liderança.

Os gestores têm se preparar para aceitar que o que estamos agora a observar representa uma nova realidade: as doenças e outras formas de desastres ecológicos são ameaças globais muito reais. E precisam estar preparados para lidar com isso.



*Sobre os autores:

Michael Hudechek é investigador associado da cadeira de Empreendedorismo na Universidade de St. Gallen, na Suíça.

Charlotta Sirén é professora associada de Empreendedorismo na Universidade de Queensland em Brisbane, Austrália.

Dietmar Grichnik é director do Insitute of Technology Management e director de Empreendedorismo na Universidade de St. Gallen.

Joakim Wincent é professor de Empreendedorismo, Gestão e Organização na Hanken School of Economics em Helsínquia e na Universidade de St. Gallen.