Dezembro de 2020. Um pequeno-almoço de oradores de conferência, uma hora antes do evento. Viam-se apenas olhos e uma diversidade de máscaras, assumindo principalmente a textura descartável. Nem uma pista… Mas o cérebro consegue sempre surpreender ao guardar imagens e cortá-las a uma velocidade fantástica, combinando outros elementos como a voz, o cabelo e até a maneira de andar, permitindo que tal como de antes, alguns se reconhecessem e se cumprimentassem, mesmo com parte do rosto tapado.

Com a mesma naturalidade de uma vida anterior fomos entrando e sentando na sala e cumprimentamo-nos à distância, sem lamentações da falta do passo bem ou de um abraço. A vida habituou-se e nem mesmo a distância nas mesas se estranhou. Tudo o que tivemos de introduzir no nosso dia-a-dia parece agora fazer parte dele. E não foi fácil, porque gostamos de estar próximos ou mesmo porque não aceitamos de ânimo leve a mudança.

Na verdade, todos (e todas as empresas) se deparavam com esse dilema, se questionavam como podiam acelerar a mudança nas pessoas que pareciam resistir estoicamente aos empurrões da velocidade assustadora da tecnologia.

As pessoas… As pessoas são mesmo esse “bicho” estranho, as que dizem que querem mudar e nada fazem para isso. Instalam-se no que conhecem e parecem deliberadamente não aceitar a mudança. Mas esta é uma observação de quem não conhece esse “bicho” que não é esquisito mas é sim fantástico. Fantástico pela capacidade de se adaptar, de se reinventar, de mudar e mais ainda de se transformar. Capacidades que não acontecem com linhas de programação, não basta enviar a comunicação, dizer que é assim, é preciso muito mais. É preciso dizer o porquê de ser assim, porque devem mudar, o que acontece se o fizerem e se não o fizerem e acompanhar todo esse processo. Não de uma forma paternalista, mas genuinamente disponíveis para compreender as resistências, os obstáculos e as emoções. Porque é nesta relação entre o racional e o emocional que as pessoas se prendem ao que foi, resistem ao que poderá ser ou desistem de tudo o que poderá vir a acontecer. O saudosismo e o muro de lamentações ganham espaço e as respostas deixam de ser construtivas ou desconstrutivas, para serem desculpas, os porque não.

A resistência à mudança é na verdade esta incapacidade de comunicarmos e de muitas vezes de liderarmos. Porque mesmo quando estranhamos, podemos entranhar o que devemos fazer, mas é preciso sempre compreender o porquê, não basta o porque sim. Ninguém sonharia com máscaras, com litros de álcool gel ou aparelhos que nos medem a temperatura e a oxigenação. O que sabemos é que não queremos morrer, não queremos ficar doentes nem contaminar outros. Queremos a nossa vida além de quatro paredes e uns com os outros e por isso temos de nos adaptar. Temos de andar para a frente estranhando e estranhando comportamentos a bem da saúde e segurança das pessoas. E podemos opinar contra ou a favor, mas independentemente da tendência, as pessoas habituam-se e hoje cumprimentam-se com um toque de braço e nunca os olhos disseram tanto, para garantir que espelhavam o sorriso ou a mais profunda das tristezas.

Num ano de demonstração do que é a espécie humana, do que nos caracteriza e distingue, é importante que a aprendizagem perdure para 2021. Que se consiga reconhecer o que a necessidade nos demonstrou sobre as pessoas e que consigamos trazer tudo isto para dentro das nossas organizações, para as lideranças. Esta é uma poderosa lição de resiliência, de adaptação, de reinvenção, de resistência e de humanidade. Um contexto que acreditamos que está a prazo e onde já vemos o fim à vista. Um contacto que não pode ser uma lição de história mas que tem de ser uma aprendizagem, para o depois de amanhã. O que já demonstramos hoje mas por onde temos ainda de caminhar.

A liderança é um destes capítulos. A liderança enquanto exemplo e capacidade de gestão, enquanto emoção genuína sem depressões mas com emoções. A liderança que reconhece nos números o guiador de uma estratégia que os ultrapassa e que combina outros factores. A liderança que é individual mas também, colectiva, que inspira mas não é inspiracional, porque a realidade bate-nos sempre de frente.

Num ano de adaptação vivemos com perdas e com a fragilidade da vida. Esta vivência deve tornar-nos mais fortes e melhores, aumentar a coesão e não nos separar em extremismos que nunca se vão entender. Aceitar e reagir para em conjunto dar a volta. Aceitar e reconhecer que ainda não acabou mas que vamos estar juntos depois de amanhã. Encontrar nas pessoas a diferenciação das nossas empresas e o propósito para não desistir e chegar cada vez mais longe.

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José Miguel Leonardo
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